Por Pedro Israel Novaes de Almeida – Diz a lenda que religião e futebol não são temas para discussão. Fé e paixão residem em foros íntimos, indisponíveis ao julgamento alheio. Ocorre que o futebol vai além dos 45 minutos da partida, e a religião trata de temas e circunstâncias que não envolvem somente almas, origens e destinos.
O futebol tem o condão de transformar torcidas em turbas, gerando exércitos que partem aos estádios como quem parte para uma guerra santa, com inimigos tão odiados quanto anônimos. A paixão esportiva acabou virando um caso de polícia, com assassinatos, espancamentos e depredações. Famílias e torcedores racionais afastam-se dos espetáculos esportivos, hoje inseguros.
Por aqui, as religiões ainda não ainda não constituiram seus exércitos, nem geram pancadarias. Seguem, muitas, respeitando as concorrentes em público, embora maldizendo-as reservadamente.
Nossa Constituição enuncia a liberdade de credo e crença, mas existem diferenças gritantes entre a salvação das almas e pacificação da humanidade, de um lado, e a exploração financeira da boa fé pública, de outro. Permitir a venda de milagres, hoje anunciados até por carros de som e panfletos, é instituir o estelionato consentido.
Enquanto parcela dos torcedores já não vai a estádios, parcela dos religiosos afasta-se dos templos para aproximar-se, sem intermediários, de Deus. A fé e a crença aninham a alma, incentivam a solidariedade e geram esperanças.
No Brasil, crença, fé e torcida fanática estão cada vez mais presentes no cenário político, conturbando a convivência, gerando falsos deuses e eliminando a razão com inspiradora de argumentos. Tal fato já infelicitou e cindiu muitos povos, e ameaça agora nosso futuro.
Cidadãos pessoalmente honestos passam a defender corruptos notórios, alguns condenados e já encarcerados. Notícias de escândalos já não abalam torcidas e sequer diminuem a fé política.
A instituição de torcidas partidárias e fé política apequena o contexto público, transformando debates objetivos em exercícios cegos de demolição da imagem alheia. Debates, originalmente concebidos para confronto de idéias e soluções coletivas, acabam inúteis e enfadonhas acusações, de rotos a esfarrapados.
Existe uma crescente censura política aos atrevidos que ousam a discussão de temas públicos, sem as travas e idiotices do fanatismo partidário. Turbas políticas buscam, de maneira primária, identificar e rotular a que torcida e credo partidário pertence cada semelhante.
As redes sociais, incentivadas por ativistas profissionais, bem demonstram o baixo nível a que chegamos, com milhares de indignados que blasfemam pela simples leitura de um fato malversado ou alusão mentirosa.
Turbas políticas e partidárias incentivam projetos de poder, e desqualificam projetos de governo. Conturbam manifestações coletivas e buscam esvaziar ruas e praças, buscando com que seus alaridos sejam os únicos sons audíveis da sociedade.
Caminhamos a passos largos para a idiotia coletiva e império dos fanáticos, que premia a falta de ética, justifica o aparelhamento do Estado e elimina qualquer resquício de respeito aos discordantes. Estamos, de fato, involuindo.
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O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.