Benedito Bortoletto: Para que servem nossas Forças Armadas?

 

Neste artigo que o Cel. Int. Aer. Benedito Bortoletto – hoje Cel. R1 – escreveu em 2007 e foi publicado na Revista do Clube da Aeronáutica, na edição de julho de 2007, ele buscou destacar a missão exercida diuturnamente pelas Forças Armadas, prevista no Art 142 da Constituição Federal, para a garantia dos poderes constitucionais, que passa desapercebida pela população, não se sabendo se isso é intencional ou não. “Trata-se fundamentalmente da garantia do Estado de Direito. Como exemplo, não faz muito tempo vimos o então ministro Joaquim Barbosa e o STF condenando “donos do poder” com as garantias que a Constituição lhes assegura”, comenta Bortoletto.

Para que servem nossas Forças Armadas?

É uma pergunta que inquieta nossa sociedade diante de tantas necessidades sociais e econômicas de um mundo unipolarizado pela grande potência, os EUA, e a convivência pacífica com nossos vizinhos.

Pode-se permitir que incautos e desinformados possam julgá-las demasiadamente caras ou até mesmo desnecessárias. Pena que um mundo pacífico e sem conflitos seja apenas umdesejo e não uma realidade. Os recursos naturais finitos, os conflitos de origem étnica ou religiosa, a pobreza, a ganância, a ambição e interesses marcam a história da humanidade. Pouquíssimos dias foram os de paz no mundo, ficando a guerra como regra quase que permanente. Mas e daí? Até parece que nada disso tem algo a ver com nosso País. Há muito tempo não nos envolvemos em guerras e, felizmente, nem a prevemos em futuro próximo.

Em seu artigo Art. 142 , a Constituição Federal (CF) reza que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Para responder à pergunta inicial é necessário que se entenda integralmente a missão atribuída pela Constituição. Usual e invariavelmente, ela focaliza-se na defesa da Pátria e na garantia da lei e da ordem. Defender a Pátria contra quem, se não temos ameaças atuais ou latentes? Para a defesa da Pátria é necessário que as Forças Armadas estejam bem equipadas e adestradas. Como garantir nossos interesses no concerto das nações, se nos apoiarmos apenas numa diplomacia sem um respaldo dissuasório? Lembrando Rui Barbosa, “uma Nação que confia em seus direitos em vez de confiar em seus soldados, engana-se a si mesma e prepara a sua própria queda”.

A garantia da lei e da ordem é mais lembrada em situações em que os órgãos encarregados pela segurança pública mostram-se incapazes de cumprirem suas atribuições. Nas ações de garantia da lei e da ordem vêem-se atuações eventuais,
de curta duração, sem o arcabouço legal adequado. Não creio ser necessário aprofundar neste foco, uma vez que, comumente, tem sido explorado.

Comentar os extraordinários serviços prestados pelas Forças Armadas na Amazônia, promovendo a integração nacional e levando a presença do Estado aos mais distantes rincões do nosso território e atuando principalmente em nossas fronteiras, a presença da Marinha na patrulha de nossas águas territoriais, a atuação em calamidades e em outras atividades que contribuem para o desenvolvimento do País, também tem sido objeto de vários artigos publicados, contribuições suficientes para justificar a sua existência.

Um novo enfoque no papel das Forças Armadas merece ser abordado que é a garantia dos poderes constitucionais, um tema pouco discutido.

Observa-se que entre todos os países filiados à Organização das Nações Unidas, aqueles que apresentam os melhores índices de desenvolvimento humano (IDH) são aqueles em que as instituições são as mais sólidas. De onde vem a solidez das instituições?

Benedito Bortoletto Cel R1
A vontade do povo brasileiro está expressa na CF e a garantia dos poderes constitucionais para que se cumpra essa vontade é a missão diuturna das Forças Armadas.

Analogamente à “mão invisível” que, segundo Adam Smith, rege os mercados, quando um juiz assina uma sentença, quando se emite uma norma legal, quando se assina um contrato e em noutros tantos casos do mundo civilizado, a garantia
do seu cumprimento advém do funcionamento do Estado de Direito e isso somente é possível com a garantia dos poderes constitucionais.

Em 1994, Jean Bertrand Aristide dissolveu as Forças Armadas no Haiti. Como resultado obteve o completo esfacelamento do Estado. A missão atual da Operação Minustah é restabelecer a ordem no país e a normalidade institucional, sem a qual não será possível ao povo haitiano superar a crise em que vive. No Iraque, a grande dificuldade dos Estados Unidos é o estabelecimento de um Estado de Direito com as garantias necessárias para o funcionamento daquele País árabe. Derrotar Saddam Hussein não foi uma tarefa das mais difíceis para o poderio militar norte-americano. Para o estabelecimento do Estado de Direito, as dificuldades têm sido muito maiores.

Na concepção aristotélica, são atribuições essenciais do Estado a justiça, a segurança e a defesa. É a garantia da sua existência. Outras atribuições opcionais também lhes são devidas como saúde, educação, transportes, energia, comunicações, etc.

Para o pleno funcionamento do Estado de Direito é necessária a paz interna, onde as instituições e os poderes se manifestam e exercem suas atribuições no sentido de alcançar o bem comum. Podem ser questionadas as deficiências existentes que geram insatisfações na sociedade, porém instrumentos atuantes, disponíveis somente onde a normalidade institucional se faz presente, poderão agir para superá-las; seja pela atuação, dentre outros, do Poder Judiciário ou do Poder Legislativo.

É preocupante a não percepção, proposital ou não, de formadores de opinião sobre a importância da instituição Forças Armadas. Para o entendimento do papel das Forças Armadas é necessário conhecer quem são e quais são seus valores e
seus compromissos.

Para a sociedade, a vida é o valor maior tutelado pelo Direito. Para os militares, defender a Pátria, seu povo e suas instituições, mesmo com o sacrifício da própria vida, é o valor maior.

A coragem traduzida pela bravura em face do perigo; o dever expresso peladedicação e fidelidade à Pátria; a hierarquia e a disciplina fundamentada no cultivo da lealdade, da confiança e do respeito entre chefes e subordinados; a honra alicerçada na conduta moral e profissional; a lealdade manifesta na fidelidade aos compromissos assumidos; a liderança conquistada pelo exemplo; o moral marcado pela vontade de lutar e vencer; o juramento de bem-servir com eficiência e profissionalismo, na paz e na guerra; a prontidão como estado de consciência cultuado na tropa; a valorização do homem como base para o desenvolvimento da Instituição e o servir à Pátria como a essência do comportamento do militar são os valores cultuados pelas Forças Armadas.

O preparo intelectual e a solidez moral são essenciais, acima de tudo, para o cumprimento do dever. O compromisso de bem-servir à Pátria e não dela se servir tem que estar sempre presente. Os interesses nacionais deverão estar sempre
acima dos interesses pessoais. Qualquer desvio nessa rota poderá levar ao enfraquecimento da Instituição, expondo-se ao perigo de não estar presente ou omitir-se no cumprimento da missão constitucional.

No final do século passado, vimos a fragmentação de Estados pelos mais variados motivos. O grande desafio do Século XXI será a manutenção da coesão interna dos Estados. É imperativo que todas as forças da nação estejam alertas
para os desafios de toda ordem que poderão advir.

Instituições fracas são um convite a oportunistas de plantão e a retrocessos. A saúde de uma nação depende da higidez das suas instituições. Instituições sólidas como a OAB, a ABI, a CNBB e as Forças Armadas são a garantia e a esperança para a conquista e a manutenção dos princípios e objetivos fundamentais expressos na Carta Magna da nação brasileira.

Benedito Bortoletto Cel Int Aer – publicado na Revista Clube da Aeronáutica, edição julho de 2007

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