Projeto une a comunidade para promoção da saúde com conceitos da agricultura biodinâmica
No próximo mês de dezembro, o Centro de Saúde Escola (CSE), unidade auxiliar da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB/UNESP), completará 50 anos de atividades. Como parte das comemorações do Jubileu de Ouro da instituição, nesta quarta-feira, 8 de junho, acontecerá a inauguração do Horto Medicinal “Mil Folhas”. A cerimônia está marcada para as 16 horas, ao lado do galpão do Inca, na Vila Ferroviária.
O horto ocupa um terreno de cerca de 440 metros quadrados, que se encontrava praticamente abandonado. A proposta de utilizar o espaço para o cultivo de plantas medicinais partiu do Dr. Augusto Menezes, médico do CSE – Unidade Vila Ferroviária. A ideia recebeu todo apoio da professora Eliana Goldfarb Cyrino, supervisora do CSE e da enfermeira Ana Paula Freneda, coordenadora da Unidade Vila Ferroviária.
A implantação do horto é desdobramento de um curso de especialização da Fiocruz do qual o médico participou em Brasília, no ano de 2021, cuja proposta era a implantação de quatro espaços de cultivo de plantas medicinais dentro de unidades de saúde do SUS. “Isso fez crescer uma motivação que já existia dentro de mim. Sou médico e trabalho com a antroposofia, uma ciência na qual a agricultura biodinâmica se fundamenta. Assim foram sendo trilhados os caminhos institucionais, teóricos e práticos para que a comunidade pudesse vir experimentar esse conceito da promoção da saúde através do cultivo de plantas medicinais”, explica.
Logo que recebeu sinal verde da direção para seguir com a ideia, Dr. Augusto partiu em busca de um local para implantação do projeto. Uma das condições básicas era que fosse próximo à unidade de saúde para facilitar a participação dos usuários. A escolha foi por um terreno ao lado do galpão do Inca, sob gestão da Secretaria Municipal de Esportes e Promoção de Qualidade de Vida, que também se transformou em apoiadora da iniciativa.
O passo seguinte foi a busca por pessoas interessadas em participar do projeto. A participação no começo foi tímida, impactada pelo distanciamento social provocado pela pandemia. O médico passou a fazer propaganda na sala de espera da unidade, convidando a comunidade. E as pessoas começaram a aparecer para uma atividade constante que ainda hoje é realizada todas as quartas-feiras, a partir das 14h30, utilizando os conceitos da agricultura biodinâmica. A iniciativa ganhou o reforço do Instituto Floravida que contribui através do fornecimento de insumos e a participação de estagiários.
“O mais interessante nesse processo é que, por mais que esse projeto estivesse vivo e tenha sido despertado dentro de mim a partir desse curso realizado em Brasília, mesmo com as experiências pessoais que eu tenho no campo da agricultura e da saúde, este é um processo reeditado a todo tempo a partir de ideias que partem do próprio grupo, dos próprios usuários. É como uma escultura social, no sentido que as ideias têm uma liberdade de vir à tona nesse espaço e ganhar definitivamente esse teor prático. A própria instalação hidráulica para rega do espaço foi concepção de pessoas que tinham experiência nessa área e deram ideias muito produtivas e eficientes. Pessoas que trouxeram mudas de plantas de suas casas. Uma série de desdobramentos e processos que só quem está aqui no dia a dia sabe como é. Deixo aberto esse canal e que sejam todos muito bem vindos a participar das nossas atividades”, convida o coordenador do projeto.
O plantio de adubação verde foi realizado em 21 de dezembro de 2021 (dia do solstício de verão), num momento em que o grupo já vencia um pouco a timidez e ganhava uma configuração mais fixa. “Um chama o outro, chama o vizinho, faço um atendimento como médico no posto e já estendo o convite dentro do próprio consultório. Foram chegando mais pessoas. O mais importante é que aqueles que estão participando agora estão vindo de forma constante. Eles já reconhecem os efeitos salutares dessa atividade. Temos relatos, inclusive, de pessoas que estão deixando remédios cujo uso contínuo pode ser danoso. Pacientes da saúde mental que reconhecem e já passam a olhar para essa farmácia viva que a gente está plantando aqui como um local de saúde. Isso tem sido muito valioso para o nosso trabalho”, comemora.
O terreno recebeu um incremento de terra, quase sem nenhum vegetal incorporado a ela. A proposta era que o material inerte ganhasse vida a partir da ação das pessoas, construindo uma espécie de cama para abrigar as mudas a serem cultivadas. A implantação dos canteiros recebeu sementes de plantas leguminosas, várias espécies de feijões, milho e girassol com intenção que essas plantas ganhassem um porte e fossem derrubadas logo em seguida, nutrindo o solo. No dia 7 de maio foram plantadas cerca de 300 mudas de plantas medicinais que inclui abacares, carqueja, capim limão, capuchinha, funcho, alcachofra, manjericão, manjerona, entre outras.
“Temos algumas linhas de feijão guandu que estão crescendo dentro do plantio e assim como uma linha central de arbustivas, porque trabalhamos também dentro de um sistema agroflorestal. Estamos produzindo essa biomassa. É como um sistema auto sustentável onde a gente traz a planta para o solo, depois fazemos uma poda e devolvemos essa planta para o próprio solo, que vai passar a ter mais vida. Dentro desse sistema vamos gerando mais vitalidade a ele. Também temos arbustivas de caráter medicinal como a melaleuca, canela, urucum, espinheira santa. Começamos com mudas muito pequenas para fazer observação de como se dá o crescimento dessa planta e trazer esse conhecimento para dentro das nossas atividades em caráter de troca. Agregamos esse conhecimento oral, que vem dos nossos avós aos conhecimentos científicos que transitam no campo da fitoterapia, assim como aquilo que a agricultura biodinâmica pode dar suporte e otimizar esse sistema como um todo”, explica Menezes.
Segundo o médico, já é possível notar os ganhos que o projeto tem trazido para a comunidade envolvida com as atividades do horto medicinal. “As pessoas estão saindo desse lugar de certa forma passivo no âmbito da medicina convencional, onde a saúde é totalmente depositária na figura do médico, do terapeuta, da pessoa dotada do conhecimento. E aquele que está buscando saúde passa a ser um espectador de sua própria saúde. Nessa implantação o que a gente está vendo é esse protagonismo coletivo, onde cada ser humano que aqui está tem a oportunidade de trazer algo do seu conhecimento ou algo que ele possa vivenciar durante o processo e a gente cria um campo onde isso venha a tona. Já ouvimos aqui algumas poesias que brotaram dessa implantação. Já ouvimos algumas histórias que foram compartilhadas aqui. E esse caráter de compartilhamento é algo muito positivo para o ser humano. Onde a gente pode colocar nossa história em um ponto importante no que fiz respeito a nossa saúde. Nossa saúde não é só o bom funcionamento do nosso corpo. Nossa saúde é tudo que envolve nossa biografia. Cada ser humano tem sua história e ela deve ser valorizada”.
Menezes faz questão de deixar claro que a ação que coordena na Vila Ferroviária não é inédita em Botucatu. E cita dois projetos já em execução, que também buscam a promoção da saúde e a integração da comunidade, a partir do uso de plantas medicinais: um horto na unidade de saúde do Jardim Santa Elisa, com a participação da Professora Karina Pavão, docente do Departamento de Saúde Pública da FMB e coordenadora do Núcleo de Hospitais Sustentáveis do HCFMB e o cultivo de plantas no Projeto Girassol, voltado à promoção da saúde mental, com o psicólogo Pedro Abimorade. “São pessoas que não posso deixar de honrar. São inspirações, são pioneiras no município e a elas eu devo meu agradecimento”, conclui.