Enfermeira do HC/ Unesp ajuda vítimas no Haiti

Grandes tragédias tendem a mostrar o significado da palavra ‘humano’. Seja com doações às vítimas ou na própria assistência para amenizar o flagelo do próximo. Dessa forma, a enfermeira do Hospital das Clínicas/Unesp, vinculado à Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp (HC/FMB), Maria Clara Pinheiro Manoel, esteve, em maio, no Haiti. Durante dez dias, a profissional auxiliou equipes médicas à população atingida por um dos piores terremotos da História, ocorrido em 12 de janeiro deste ano. Esteve na cidade Les Cayes- a 100 quilômetros da capital Porto Príncipe- junto com a ONG (Organização Não-Governamental) Expedicionários da Saúde. Confira entrevista feita com ela pela Assessoria de Comunicação e Imprensa do HC/FMB Unesp e veja mais fotos 

Equipe Expedicionários da Saúde


Com magnitude de 7 graus na escala Ritcher (que vai até 9) o abalo tem números superiores a 200 mil vítimas fatais, 300 mil feridos e 4 mil amputados. No entanto, as vítimas não cessam. Crescem conforme o tempo passa. Muitas, em decorrência de complicações pós-tremor e agravadas pelas condições precárias de estrutura do país.

A decisão em trabalhar no auxílio ao país veio ao ver as imagens da destruição e do sofrimento da população apareciam cada vez mais pela mídia. Maria Clara tentou então partir ao país da América Central com as Forças Armadas. Não fora possível, pois apenas militares prestariam os primeiros cuidados no período. Viu durante as férias uma oportunidade de tentar novamente ajudar o próximo. Embarcou no dia 7 de maio em uma verdadeira ‘aventura humanitária’.

O desafio resume-se ao fato de que viajou por mais de 13 horas de ônibus da República Dominicana até o Haiti. O grupo, formado por doze brasileiros, viu e vivenciou as marcas da tragédia. Cidades destruídas e uma população que tenta superar a perda de familiares e amigos.

Maria Clara relata que a experiência foi válida tanto no aspecto profissional quanto pessoal. A cada momento, uma nova situação que obrigava a equipe a improvisar. Mas, ao mesmo tempo, a cada paciente atendido, a satisfação de fazer a diferença.

Quais motivos a levaram a se tornar voluntária no Haiti?

Esta foi minha primeira participação numa grande ação voluntária. Quando houve o terremoto, em janeiro, eu estava em férias e assistia aos noticiários com as informações sobre os estragos provocados e a situação caótica em que se encontrava o Haiti, principalmente Porto Príncipe. Estava chocada com a dimensão do problema e isto me sensibilizou demais. Pela televisão também soube que o Ministério da Saúde estava cadastrando profissionais médicos e enfermeiros para prestar socorro às vítimas do terremoto. Nesta ocasião me inscrevi pelo site do Ministério e fiquei no aguardo. Como até março não havia sido chamada, em abril me inscrevi na ONG Expedicionários da Saúde, com sede em Campinas, para participar da quinta expedição, que iria ocorrer no mês de maio. Assim que fui aceita, fiz troca do meu período de férias para não haver prejuízo das minhas atividades no Hospital das Clínicas e comecei a me organizar.

Como foi seu trabalho no Haiti? A estrutura oferecida no país era suficiente para o auxílio aos feridos?

Esta ONG conseguiu em janeiro, logo após o terremoto, por orientação da ONU, firmar um acordo com o Institut Brenda Sttraford, Hospital de Oftalmologia e Otorrinolaringologia, administrado por canadenses, de aproximadamente 40 leitos, com sede na cidade de Les Cayes, a 200 km de Porto Príncipe. Este hospital cedeu metade de sua estrutura física, ou seja, 02 salas cirúrgicas, 01 sala de curativo, 01 sala de reserva de materiais, 01 central de materiais esterelizados, 20 leitos e 02 consultórios para atendimentos ambulatoriais. O atendimento prestado pelas equipes até o momento teve seu foco exclusivamente cirúrgico, porém esta 5ª expedição enviou profissionais especializados em órteses, próteses e reabilitação, com o objetivo também de avaliar as condições de produzir próteses e reabilitar os muitos haitanos amputados em decorrência do terremoto.

O terremoto ocorreu em janeiro e muito se viu de destruição no país. Passados cinco meses após a tragédia, quais as principais necessidades e dificuldades enfrentadas pelos haitianos?

Pelo que pudemos observar no pouco tempo que estivemos no país, através das narrativas das pessoas e buscando informações sobre o Haiti, o país já atravessava uma crise política de longa data, acarretando em grande instabilidade financeira. Penso que as maiores necessidades hoje são de ações de saúde coletiva como saneamento básico, água encanada, coleta de lixo, coleta e tratamento de esgoto, etc. Os serviços de saúde são precários. Há altas taxas de analfabetismo e desemprego também. As grandes lideranças políticas, religiosas e sociais também morreram em 12 de janeiro, deixando a população desorientada. Assim concluímos que o que mais falta hoje é organização político-social para que possam encontrar a solução dos seus problemas. O Haiti continua recebendo ajuda humanitária de vários países, mas o caminho somente o próprio haitiano poderá encontrar.

Pelo que observou, os haitianos conseguirão superar os traumas causados pela tragédia? De que forma a população tem retomado a vida após o abalo?

Por toda a história política do país, penso que não será fácil nem rápida a superação, mas novos líderes irão se formar, a população deve se reorganizar e com toda a ajuda humanitária que chega através da ONU, irão se reerguer. Vemos haitianos que já retornaram às suas atividades normais de trabalho ou estudo. Mas também há pelas ruas, muitos desempregados, vivendo do comércio informal ou de barganhas.

Há mais pessoas feridas em decorrência direta do terremoto (amputação, fraturas, entre outros) ou pelas consequências da falta de estrutura de saúde no país?

Nossa equipe tinha o objetivo de tratar feridos em decorrência do terremoto, outros feridos eram encaminhados ao hospital geral. Todos os 28 pacientes operados pela equipe derivavam de lesões em decorrência do terremoto. Foram feitas grandes cirurgias como colocação de fixador externo de Ilizarov (fixador de aço inoxidável usado em fraturas expostas ou alongamento de ossos), osteossíntese, amputações, etc. As condições de saúde e higiene são precárias e portanto vemos muita infecção, fraturas não consolidadas, entre outros problemas.

Após essa experiência, o que mudou em seu conceito como profissional de enfermagem e também no lado pessoal?

Como profissional aprendemos a trabalhar em condições adversas, nos adaptando ao que tínhamos naquele momento. A regra é criatividade e improvisação, sem perder o objetivo da qualidade. Como pessoas, voltamos extremamente gratificados pela oportunidade de ajudar ao próximo, através de nosso trabalho. E renovados de esperança no ser humano, que se despoja do conforto e segurança de suas casas e se dispõem a passar fome, sede, calor, cansaço, desconforto, riscos e inseguranças com o objetivo de ajudar as pessoas que estão necessitando de seu potencial e conhecimento.

Ao ficar algumas semanas no país, qual a recordação mais marcante do Haiti?

O que mais nos chamou a atenção foi que o povo haitiano, apesar de todas as dificuldades que tem enfrentado, possui as relações familiares muito fortes. São atenciosos, carinhosos com seus familiares e muito agradecidos pelo tratamento recebido. As pessoas são muito alegres, gostam de música, de cores fortes e são extrovertidas. Isso guardado como algo positivo. E quanto à recordação negativa, foi o caso de um garoto de 10 anos que precisou ter sua perna direita amputada abaixo do joelho, e que fez toda a equipe se emocionar e se mobilizar para trazê-lo ao Brasil e fazer aqui sua reabilitação. Vamos nos unir para fazer a diferença pelo menos na vida deste garoto.

Qual a importância de profissionais da área da saúde participarem de ações humanitárias deste tipo?

Após a primeira participação em ação humanitária, nos sentimos envolvidos e motivados a não parar, tanto que já estou programando de fazer parte da próxima expedição que será em novembro à Amazônia. Voltamos imensamente realizados com os trabalhos desenvolvidos e a oportunidade de trabalhar com profissionais de outros serviços de referência, de trocar experiências e conhecimentos. Essa prática é fantástica. Nossa equipe era formada por doze pessoas das mais diversas Instituições de saúde. E principalmente a gratificante sensação de ter podido ajudar ao próximo com nossa capacidade de produzir, nossos conhecimentos e nosso carinho e atenção. (Da Assessoria de Comunicação e Imprensa do HC/FMB Unesp)

Enfermeiros com a equipe local

Monumento aos soldados brasileiros

Transporte coletivo

 

 

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