Entrevista com historiador e advogado Celio Fagundes sobre a questão dos Índios de Itaporanga-SP e Barão de Antonina; Justiça determinou as demarcações das áreas

No último dia 28, a Justiça Federal determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União estão obrigadas a concluir, em até 90 dias, a primeira etapa do processo de demarcação de três terras indígenas Tupi-Guarani no sudoeste paulista.

Nesse prazo, técnicos e autoridades deverão finalizar os chamados Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação (RCIDs), documentos iniciais para o reconhecimento definitivo das áreas ocupadas pelas aldeias Kurugwá, Pyháu e Tekoá Porã, que se arrasta há mais de 11 anos.

A decisão liminar da 1ª Vara Federal de Itapeva (SP) é resultado de uma ação civil pública que o Ministério Público Federal ajuizou em janeiro deste ano.

As áreas a serem demarcadas são de (3.728 ha em Itaporanga), e (4.526 ha em Barão de Antonina), ou seja mais de 3 mil alqueires, desalojando assim mais de 60 sitiantes.

Para falar sobre essa complexa questão, o ItapoNews entrevistou o advogado e historiador Célio Fagundes

Quem é o advogado e historiador Célio Fagundes?

Bem, sou Itaporanguense, tenho 51 anos, morei 35 anos nas cidades de Sorocaba, São Paulo e por último em Salvador/BA, onde fui Prof. da Universidade do Estado da Bahia, sem nunca me desligar das pesquisas sobre a história de Itaporanga-SP e dos índios Guaranis que residiam esta região. Voltei recentemente para concluir minhas pesquisas e o curso de mestrado pela UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR).

1 – Como o Sr. vê essa decisão da Justiça Federal determinando a demarcação de terras indígenas em Itaporanga e Barão de Antonina que totalizam 8, 2 mil has (mais de 3 mil alqueires)? Isso será pacífico, ou seja, os agricultores individualmente vão acatar e depois da medição vão desocupar suas terras, ou haverá resistências?

  • Na verdade vejo esse assunto por dois lados: um, como historiador e outro, como advogado. É mais ou menos como se você estivesse vendo uma roda virando, mas sem entrar nos detalhes que a fazem virar. E quando você entra nesses detalhes você percebe que tem muita coisa envolvida, muitos ângulos de visão com várias questões éticas, morais, sentimentais; questões de direitos tanto dos índios quantos aos atuais proprietários – grandes e pequenos – que nada têm a ver com os erros do passado; dos trabalhos científicos dos historiadores, dos antropólogos; dos interesses econômicos, políticos, sociais; questão dos novos tempos com o ressurgimento da política conservadora, e enfim, muitas coisas mesmo e essa é uma ação para dez anos ou mais, e estamos há apenas 30 dias, no começo dela.

Continuando, mas, antes vou fazer um resumo da minha pesquisa de Mestrado que tem como objeto as questões da posse das terras aqui da região, desde a instalação do Aldeamento São João Batista do Rio Verde durante o Império, meados do século XIX, do qual teve a participação do fazendeiro João da Silva Machado (Barão de Antonina),que por sua vez obteve estas terras da Coroa Portuguesa, através da Lei das Sesmarias (Sec.XVI).

Nesta altura entram o frei Pacífico de Monte Falco, da Ordem dos Capuchinhos, que foi o fundador de Itaporanga e o primeiro a dirigir o aldeamento e a organizar os índios, depois sucedido pelo capitão Joaquim Jose Vilela de Magalhães, mineiro de Pouso Alegre, bisavó do meu colega João Batista de Magalhães Castilho. A missão dos coordenadores era “cuidar” dos índios, ensinar-lhes “bons modos”, a fé católica e convencê-los a “desistir de ser índio” transformando-os em trabalhadores braçais.

No final do século XIX, o aldeamento passou a ser chamado de Fazenda Mata dos Índios e os indígenas viviam aqui em relativa tranquilidade. Ao findar o século XIX, com a valorização das terras paulistas, no entorno de Campinas e São Paulo, paulistas – pequenos agricultores, buscavam terras boas mesmo que distantes dos grandes centros com o objetivo de desbravar.

A expansão da estrada de ferro, ajudou a espalhar a ideia de que as terras daqui valorizariam cada vez mais visto que a linha de ferro “encurtaria” as distancias. Rio Verde (Itaporanga), Faxina (Itapeva), e Itararé estavam entre os projetos de expansão da estrada de ferro que foram iniciados em 1888. Porém, somente Faxina e Itararé foram beneficiadas com a expansão destas estradas.

As terras entre os Rios Verde (Itaporanga) até Passo dos Índios (Salto do Itararé) legalmente dos índios, continuaram valorizada e cobiçadas por serem as melhores. Antes do fim do império, o Rio Verde (Itaporanga) e região da Colônia Mineira (Siqueira Campos) receberam grandes quantidades de colonos mineiros – que vinham sem planos de retornarem.

Estes seriam os primeiros habitantes destas cidades. Vinham atraídos pelas notícias de terras fartas donde pudessem ser pequenos fazendeiros. Os indígenas, que habitavam essas terras, foram cada vez mais ameaçados na posse de suas terras a proporção que a população branca aumentava.

2 – Como isso foi acontecendo? Os índios aceitaram isso pacificamente?

Os fazendeiros e os colonos, majoritariamente brancos, passaram a tomar, na marra, a posse da terra e a tumultuar e dificultar a vida dos indígena nestas terras, nas mais variadas formas, inclusive disseminando doenças entre os índios como forma de intimidação.

3 – Mas os índios não tinham um órgão governamental para defende-los?

Teoricamente sim. A pequena comunidade indígena passou a pedir socorro para a igreja, para o juiz local e todos que pudessem ouvi-los ao intento de evitar a perda de suas terras. Porém, as autoridades do governo intencionalmente não respondiam a demanda dos nativos e a igreja Católica – entidade que tinha o maior poder local, ignorou todos apelos dos índios ao tempo que indiretamente apoiava os posseiros, fazendeiros e colonos – estes, batizados na fé católica.

4 – E a saída destes indígenas daqui, foi voluntária? Em que ano foi isso e para onde foram?

Foram contra a vontade. Ignorados por todos e até pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio – criado em 1910), foi desenvolvido um projeto de “remoção” (ou expulsão) da comunidade, fato que acabou acontecendo em 1912. Segundo apontam diversas fontes a maior parte dos nativos, cerca de 150 (entre eles adultos, jovens, crianças, idosos, mulheres gestantes e em amamentação) foi aprisionada e conduzida à pé, tocada por diante até a minúscula Reserva Indígena de Araribá (Avaí/SP.. Essa viagem teria durado três dias de muito sofrimento pelos índios até chegarem a Araribá, onde passaram a viver com a ajuda do governo.

Livres dos índios, e sem ninguém para questionar, com o tempo esses posseiros passaram a regularizar a posse na Justiça, através de da Lei do Usucapião (uso ininterrupto de 10 a 15 anos), conseguindo escritura e registro da propriedade

5 – E essa ação atual, há mais de cem anos após os fatos?

A atual ação de demarcação das terras dos índios é desdobramento de um trabalho iniciado há mais de 10 anos pela Funai e pelo PGR.

Visando a sanar as principais dúvidas da existência da comunidade guarani na região em 2007 houve a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e delimitação criado pelo Grupo Técnico autorizado pela Portaria nº 1.088/PRES de 07.11.2007, complementada pela nº 144/PRES, de 21.02.2008, nº 233/PRES, de 17/03/2008,nº 310/PRES, de 04/04/2008, nº 0442/PRES, de 25/11/08, e º 368/PRES, de 23/04/09, coordenados pelo Antropólogo Prof. Doutor Robson Rodrigues da Universidade Federal de Uberlândia seguido pelo Grupo de Trabalho autorizado por meio da Portaria nº 1187/PRES, de 11/08/11 (Complementado por meio das Portarias 1402/PRES, de 28/09/11, e de 1026/PRES, de 07/08/12) Profa. Doutora Julia Arcanjo.

6 – Como provam que os índios são os verdadeiros donos? Há algum documento?

Sim, a escritura raiz de 1902, que documentou a criação da reserva Fazenda Mata dos Índios. Os estudos de identificação, iniciados em 2006, foram desenvolvidos por um excelso time de experts que formaram um grupo técnico de grande qualidade cientifica. Eles, responderam a principal pergunta: as terras pertenceram realmente aos índios? Essa pergunta foi respondida positivamente através de diversos laudos e trabalhos complementares executados por professores de variadas áreas. E dentre estas provas, a escritura Pública raiz da antiga Fazenda Mata dos Índios que identifica a propriedade e a posse dos nativos, lavrada em 1902 que contém os marcos divisais. Arqueólogos colheram grande quantidade de materiais de uso indígena encontrados em toda a região e que foram juntados como prova do uso dessas terras somente pelos indígenas antes da chegada dos brancos.

Os laudos emitidos em conjunto pelo grupo técnico da Funai foram conclusivos em afirmar que o povo guarani que aqui morava tinha não somente a documentação mas também a posse das terras. Minha pesquisa também encontrou diversas publicações de jornais da época que apontam neste sentido, tal como diversas entrevistas com pessoas idosas (índios e não índios) e, todos, recordaram histórias contadas por seus pais e avós que assistiram in loco a força pública prender um grande número de indígena e reuni-los na rua Dr. Fellipe Vita para expulsá-los para Araribá (hoje Avai/SP). As memórias, e as histórias e documentam apontam que até os indígenas que aqui permaneceram foram alijados pelos brancos até fugirem com seus parentes para a Aldeia Laranjinha (Santa Amélia e Abatiá) e Pinhalzinho (Tomazina), no Paraná.

Como pesquisador dessa questão tenho comigo que os laudos são conclusivos em afirmar que essas terras pertenciam realmente aos índios. Entrementes os barão-antoniniense e os Itaporanguenses reconhecem essa herança histórica de que essa terra pertence ou pertenceu aos índios. Essa memória passou de pai pra filho e reside fortemente no imaginário dos mais idosos e mesmo nos maios jovens. Indagados sobre o significado do nome da cidade, todos respondem com certeza: “aqui foi a terra dos índios” e ainda completam: Itaporanga é nome indígena que significa “pedra bonita”, em razão da junção dos termos “ita” (pedra) e “poranga” (bonita).

No Hino de Barão de Antonina há uma homenagem aos índios que “cederam suas terras” para a fundação da cidade. Não é diferente no município de Barão de Antonina e até hino da cidade diz: “…que num gesto de amor e grandeza aos Caiuás que viviam aqui doou tuas terras a esses brasileiros. Da natureza bravos guerreiros, Mata dos Índios foste outrora do Rio Verde e Itararé vales e serras/ paragens belas…”

Há farta documentação que parte dos índios foram removidos (ou expulsos) mesmo que tenham cedido parte de suas terras para edificação de São Batista do Rio Verde (hoje Itaporanga). Foi nesse quadro de grande violência e perseguição às populações indígena que Itaporanga fincou seus esteios, ignorando o assombroso passado.

Lembro que não tenho procuração dos índios para falar em nome dos deles. Meu oficio aqui é expor meu conhecimento ao tema, de forma cientifica. Nas minhas pesquisas e nos relatórios da Funai, as respostas não deixam meias dúvidas quanto a “expulsão” de parte do grupo indígena daqui de Itaporanga.

A Ação Demarcatória (ajuizada em face da Funai), é desdobramento dos trabalhos de identificação feita pelo grupo técnico. A ação almeja dar continuidade e pôr fim nos trabalhos demarcação dessas terras. Estive várias vezes no PGR (Procuradoria Geral da República), pude ver os autos do Inquérito Civil. É denso, ao meu entendimento de infindo lastro probatório e de colossal saber jurídico ao objetivo de demarcar as terras indígenas.

Ao meu juízo, o colega advogado que se apresentar na defesa adversa aos índios deverá munir-se de amplos conhecimentos da causa muito aquém do meramente processual.

Repise-se, tenho apenas conhecimento sobre o inquérito assim como da ação, mas como não tenho procuração de nenhuma das partes, logo, acho insipiente uma opinião jurídica clara visto que apenas foi movimentado o primeiro peão deste xadrez jurídico, até o cheque mate temos muito jogo.

Ao lustre do debate vejo que os índios possuem direitos originários sobre a terra. Isso constou em todas as Constituições que o Brasil teve

  • 1ª – Constituição de 1824 (Brasil Império) …
  • 2ª – Constituição de 1891 (Brasil República) …
  • 3ª – Constituição de 1934 (Segunda República) …
  • 4ª – Constituição de 1937 (Estado Novo) …
  • 5ª – Constituição de 1946. …
  • 6ª – Constituição de 1967 (Regime Militar) …
  • 7ª – Constituição de 1988 (Constituição Cidadã)

A Constituição de 1988 deu ao assunto uma regulação minuciosa e completa e o recente julgamento Ação Popular 3.388-4 pelo STF, aparou as principais dúvidas sobre terras indígenas munindo o tribunal com entendimentos e vastíssimas jurisprudências que repercutiram em julgamentos similares na primeira e segunda instância em todo Brasil.

Logo, os magistrados possuem entendimentos serenos sobre a questão das terras indígenas.

Esse julgamento reconheceu a “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições como direitos originários dos índios e sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (art. 231).

Referindo-se a “direitos originários” dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, a Constituição deixou claro que não estava criando um novo direito. E também, esclareceu no § 1º desse mesmo artigo que “são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Tais terras, declarou o § 2º, “destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.

Creio que o principal gargalo dessa questão seja o recente reconhecimento da constituição de que as terras indígenas é “usufruto exclusivo”. O que significa que ninguém tem o direito de ocupá-las como posseiro. Por isso mesmo, elas são declaradas “inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis” logo não podem ser objeto de usucapião.

RAPOSA SERRA DO SOL – Tenho que esta Ação que ora se inicia possui diversos pontos convergentes com a “Ação Popular 3.388-4” movida pelos indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol – em Roraima, que acabou no Supremo Tribunal Federal.
Nessa ação histórica decidiu-se que os índios possuem direito originário. E eles foram reintroduzidos na propriedade ocupada pelos produtores de arroz durante muitos anos, sem direito a indenização.

Naturalmente as terras de Itaporanga e Barão possuem peculiaridades próprias. Juridicamente a Funai terá de embasar todo o relatório circunstanciado que fala da ocupação Guarani.

A posse da terra esteve nas mãos inicialmente de sitiantes de pequeno porte, ex-colonos pobres oriundos de Minas Gerais e que parte dessas terras em seu quinhão maior ficou com a igreja católica, que deu uso social. Logo, o judiciário em contraditório constitucional deve abalizar todas a questões considerando as brigas de terras e o modus operandi da sociedade desde o início do século XX, o que pode dar outra tónica ao julgamento.

Como advogado, respondo sem medo de errar que o resultado final desta peleja jurídica findará em sentenças do Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, dado o teor estritamente constitucional dos temas em debate.

7 – Embora seja apenas o começo de um grande embate jurídico, quais seriam as próximas movimentações das partes (União, Funai, Índios) e os proprietários atingidos, grandes e pequenos sitiantes nesse processo? Nessa demanda judicial, as partes Índios e proprietários estão bem assessoradas juridicamente?

Bem, segundo sei os que estão na posse (fazendeiros e igreja) estão em contínuo movimento de defesa jurídica, mas também política. O atual presidente tem se posicionado contrário às conquistas das minorias (quilombolas, negros, índios). Há projeto desse governo para retirar a Funai do autossuficiente Ministério da Justiça, entregando-a ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos que possui ínfimos recursos. Porém, o presidente do Poder Executivo, ainda que queira, não poderá interferir nessa questão do sisudo princípio constitucional da Independência dos poderes. Logo, por estar a questão no judiciário somente este poderá dar uma resposta através de sentença.

Até o dia que vi os autos a representação (defesa) dos indígenas ainda não tinha sido constituída. Até aqui a PGR (Procuradoria Geral da República) fez a defesa dos índios. No inquérito Civil e os trabalhos posteriores foram feitos a contento. Mas a defesa técnica especializada será necessária no curto espaço de tempo, aliás deveria já estar em campo. Tecnicamente falando, o inquérito é apenas o aquecimento. O Processo iniciou agora. Acho que a PGR, que tem centenas de atribuições constitucionais, e tempo bastante exíguo não poderia assumir esse oficio, com a mesma qualidade que um profissional advogado, especialmente atrelado ao caso.

Ademais, os Procuradores da PGR, ainda que queiram não darão a atenção merecida ao caso, dado os milhares de processos que atuam como múnus público. Creio que este não seja a melhor estratégia, dos índios. A questão é altamente prolixa, merece atenção integral de um ou mais profissionais com conhecimentos além do jurídico, dada a diversidade de provas, relatórios, pareceres que deverão ser analisadas com extremo zelo profissional.

Parece me que aos que estão na posse (fazendeiros e igreja) há essa consciência de que o embate jurídico merece atenção especial de um ou mais advogados.

8 – Como seria essa demarcação e quem a fará e quantas pessoas no nesse trabalho? As escrituras e registros de propriedades nos cartórios, como ficarão?

O processo terá várias fases e com certeza será analisado por várias instancias. O imbróglio jurídico atual cinge- se da obrigação de conclusão dos trabalhos pela Funai. Nessa fase importante é necessário que os relatórios sejam conclusivos, objetivos e de valor jurídico apontando de forma conclusiva uma direção. Não haverá dois resultados, por isso as provas serão oferecidas em juízo devidamente abalizadas, arguidas, consubstanciadas de valor jurídico. Do contrário serão anuladas. As provas são pequenas batalhas até a sentença. Logo, a importância de um profissional com saberes aquém dos jurídicos para que possa estrategicamente usá-las ao tempo conveniente. O acompanhamento e a feitura dessas provas determinarão o resultado da demanda. Por isso todo cuidado é pouco.

Bem, se o resultado for a demarcação as escrituras advindas da escritura mãe (antiga Escritura da Fazenda Mata dos Indios) serão canceladas como aconteceu na Ação Popular 3.388-4” da Reserva Raposa Serra do Sol de Roraima.

Em Raposa Serra do Sol a região retomada pelas vias judiciais, tinha tamanho equivalente ao Estado de Sergipe. Lá a reintegração de posse foi feita pela Policia Federal, com supervisão do Ministério da Justiça.

9 – Tem notícia de alguma movimentação política junto ao Governo Federal para tentar barrar isso?

Sim. Sei que tentativas foram feitas por iniciativa de representantes dos fazendeiros e igreja objetivando suspender a demarcação, via de Decreto presidencial.

Como já disse, ao meu entendimento essa saída seria rapidamente considerada ilegal sob o ponto de vista constitucional, em razão do princípio da tripartição de poderes. Não posso nomear as fontes, apenas sei que soube dessas tentativas de resolver a questão pelas vias políticas.

10 – Poderia haver acordo com os índios, no qual por exemplo fosse destinado uma área menor?

Como já disse, não tenho procuração das partes para representá-las nessa entrevista. Porém, sob o ponto de vista jurídico o acordo poderia ser feito, sem problemas. Pelas regras do Código de Processo Civil o acordo poderia acontecer extrajudicialmente, judicialmente e mesmo após a sentença. Naturalmente que as partes deveriam analisar sob o ponto de vista de suas perdas, antes de tomarem essa decisão. Como já expus a minha consideração nesse processo, os acordos somente serão possíveis se cada parte possuir representação, sólida, única e que possa responder por todos os representados. Do contrário os acordos não terão valia jurídica.

11 – O presidente Bolsonaro tem poder para suspender esta ação? E como seria? Medida Provisória (MP) ou Decreto presidencial?

Segundo informações colhidas junto a PGR, a Funai continua ainda adstrita ao Ministério da Justiça nos processos de demarcação já iniciados. Os índios foram avantajados nessa questão. Se a Funai já estivesse sob a tutela do Ministério da Mulher Família e Direitos Humanos, creio que tudo seria diferente, visto que o próprio presidente é declaradamente contrário a demarcação de terras indígenas. Mas, como já afirmei, o Judiciário jamais poderá sofrer interferência do Poder Executivo em homenagem ao princípio da separação dos Poderes. A Constituição Federal em seu artigo 2º, consagra o princípio da separação de poderes ao dispor que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

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