Pode parecer complicado e difícil de entender, mas ao analisarmos vamos notar que o sistema financeiro no final também é uma espécie de comércio, mas com alguma regulação.
Inicialmente precisamos analisar como funcionaria o “comércio de dinheiro” puramente sem o sistema financeiro. Para isso vamos imaginar as relações pessoais de empréstimos de dinheiro, relativamente comum quando falamos de família/amigos.
Nesta relação, o que ocorre basicamente é que um membro da família que possui uma reserva/excedente de dinheiro empresta para outro que tem falta, mas que em um futuro próximo, às vezes nem tão próximo irá pagar. Normalmente estes empréstimos acabam não tendo juros, qualquer correção de valor ou então os juros são baixos e correções simbólicas. Mas isso só ocorre porque quem empresta normalmente o faz com a certeza de que irá receber, ou ainda porque os valores acabam sendo baixos e, portanto se não receber não será um grande problema (embora algumas relações familiares e amizades sejam abaladas por isso).
Também vale notar que nesta relação não é necessário nenhum documento/burocracia, uma vez que a relação de confiança já é estabelecida. Podemos incluir neste exemplo, embora ilegal e com conseqüências normalmente desastrosas, a relação com agiotas que normalmente cobram taxas altas apesar de pouca burocracia.
Quando vamos ao sistema financeiro há “perdas” para os dois lados, ou seja, de quem empresta e de quem toma emprestado. A explicação para isso não está apenas no fato de haver um intermediário (bancos ou financeiras), mas também porque há um controlador que busca garantir o mínimo de direitos para os dois lados, neste caso o Banco Central. Se na relação familiar a pessoa que tem excesso empresta sem garantias, quando esta mesma pessoa faz um depósito/investimento no sistema financeiro o Banco Central garante, através de controles e do depósito compulsório, que o valor retornará se não integral pelo menos parte.
Importante entender que o depósito compulsório é um mecanismo que o Banco Central tem para garantir a estabilidade financeira, obrigando os bancos e financeiras a depositarem no Banco Central um percentual dos depósitos dos clientes. Ou seja, há uma reserva para evitar o risco de calote do sistema financeiro, bem como poder ser utilizado em momentos de crise do sistema financeiro, como ocorreu em 2008. Se compararmos a um comércio seria como ter a obrigação de ter um estoque mínimo obrigatório que nunca poderia ser vendido.
Voltando à comparação inicial, o tomador de empréstimo quando vai até um banco ou financeira pagará juros maiores do que pagaria para um familiar, além de encontrar mais dificuldade/burocracia para obter o empréstimo. A diferença é que, além do custo do intermediário, os bancos emprestam para “desconhecidos” e faz quase diariamente um acompanhamento dos “calotes”, e desta maneira inclui o “custo do calote” nas taxas de juros.
Quando menciono que o sistema financeiro é um comércio isso significa que no final ele “compra e vende” dinheiro. Ou seja, quem tem sobras vai ao sistema e deposita (o sistema compra) com uma taxa de juros, e o sistema empresta (vende) com uma taxa maior para quem tem alguma falta (nem sempre quando tomamos empréstimo é falta, algumas vezes é estratégico).
Vale acrescentar que o próprio sistema financeiro empresta entre si, ou seja, um banco que tenha excesso de depósito empresta para outro com necessidade momentânea, o que gera uma taxa conhecida e importante para o sitema financeiro, o CDI (taxa de Depósito Interbancario).
A diferença entre a taxa de compra e venda tem o nome spread bancário, que serve para pagar todos os custos (custo da compra, custo do estoque obrigatório – depósito compulsório, custo da inadimplência/calote, custo de pessoal…), e claro gerar lucro para os bancos.
Vale mencionar, que mesmo com a relativa “perda” grandes investidores e tomadores de crédito ainda preferem ter os bancos como intermediários, dado a segurança que têm.
Como alternativa para os dois lados, vimos recentemente o surgimento das fintechs que propõem maior remuneração para os investidores e menores juros para os tomadores de crédito, mas só o tempo dirá o quanto isso é possível e sustentável.
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Sidnei Almeida, natural de Itaporanga, formado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Paraná com extensão em Gestão Econômica Financeira pela Fundação Dom Cabral, além de vasta experiência em grandes empresas na área de financeira e crédito e bancos como Banco do Brasil, HSBC, Banco Renault/Santander e atualmente BNP Paribas, líder europeu.